sábado, 21 de junho de 2014

Latências

porque há silêncios que criam, silêncios que destroem e aqueles que apenas aguardam

bem sinto o bater das palavras

— querem sair —

este silêncio infla um vazio quase inexpugnável
que corrói-me dentes
e língua
engaveta-me a alma
e meus verbos
desatina meus rubros

mas a poesia persiste
subsiste calada
latente
a latejar cada pulsar

(Celso Mendes)

quarta-feira, 4 de junho de 2014

Cicatrizes


Parte 1

ele tinha marcas de chumbo em olhos nus de silêncio. pairava seu torpor em nuvens sulfurosas de lembranças a lhe dissecar a mente. pedia alívio em colchetes e parênteses de papoula e beladona. insistia viver, mas doía. queria descanso, paz, queria vazios (e aquele pedaço perdido do universo-solidão). o ruído era sangue. ecoavam-lhe hemorragias. não percebia a eternidade que transfixa tímpanos, a imortalidade de cada toque. a luz era tanta que lhe queimava a lucidez. só lhe faltava compreender que cada janela aberta às pupilas é infinita. e aprender a deixar que a leveza reja o entender. ao acordar talvez conheça o porquê de um novo dia.       

Parte 2

e então passou a ficar. apenas ficava, não tinha mais pressa. sorvia tudo plenamente, irremediavelmente. bem tentava não calcular o risco, mas já tinha algumas contas decoradas que o impregnavam: não importava. acedia ao escuro e celebrava a luz. foi assim. as perguntas precisavam-se suaves e respostas não foram mais necessárias, bastava sonhá-las. 
um dia percebera que a dor é real mas a felicidade imaginária, a mente a construía. depois acabou por perceber que tudo é sonho. que a realidade é matéria, mas não somos matéria, somos energia, e só. e que o destino é o agora. porque é sempre agora que chega a partida. o novo não espera, acontece. e essa luz… ainda não entendeu. seria preciso?